Artigo
O Brasil, a antítese trágica
Por Paulo Rosa - pediatra, autor de Andar térreo
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Enquanto no extremo norte, em Roraima, definha de fome e miséria – programados pelo Poder – o povo yanomami, do qual 500 crianças foram assim exterminadas pelo governo anterior e pelo garimpo mancomunado e lucrativo, no extremo sul a escritora e poeta Cleonice Bourscheid inaugura na Secult, no casarão da praça, em pleno Festival de Música, a mostra imperdível de pinturas e seu livro sobre a arte dos nossos povos de origem. Estimulo que a mostra seja vista e tomada em reflexão. Ela é perfeita ao momento grave que vivemos.
A imprensa tem dado cobertura consistente ao drama trágico dos nossos yanomamis e ao projeto estudado, deliberado, premeditado de seus assassinatos. Há quase 60 anos, quando me iniciei na pediatria, com frequência víamos crianças com quadros graves, terminais, de desnutrição. Kwashiorkor e marasmo, as formas clínicas da tragédia absoluta. Com o passar do tempo esse tipo de miséria humana parecia escassear, mas agora retornou com força, e, pior, nestes brasileiros ainda mais vulneráveis. Os clínicos que acompanhamos essas famílias desestruturadas e famintas, convencemo-nos de que o Poder delibera sobre os assassinatos, tal a complexidade exigida para chegar a tais extremos. Temo que a palavra genocídio, ainda que grave, é fraca para expressar a matança deliberada. Matança estudada de índios yanomamis no Brasil. Holocausto brasileiro. Quem são nossos infames hitlers que planejam e mandam executar o assassínio? Espero que tenhamos suficiente Justiça.
Na Zero Hora de 23 de janeiro, Juliana Bublitz, página 2, esclarece: “o drama yanomami diz muito sobre nós”. Segue: “as cenas registradas em Roraima escancaram um País doente, incapaz de se indignar com uma tragédia humanitária que deveria envergonhar qualquer brasileiro e brasileira. Como não vimos antes? Como fomos complacentes? … Os últimos quatro anos foram de descaso com a Amazônia, nosso maior ativo nacional. Foram anos de conivência com o garimpo ilegal. … O desprezo do governo [anterior] pelos povos originários avançou a galope, encilhado em uma visão equivocada. … Do ponto de vista da geopolítica e da macroeconomia… Como fica a imagem do Brasil lá fora [e aqui dentro]?” No mesmo jornal, página 35, Carpinejar fala no “Genocídio: … Suspensão de envio de medicamentos… Malária galopante em três comunidades… Cerca de 10.193 menores desassistidos… 52% das crianças yanomami estavam desnutridas no fim de 2022… [em lugares de pouco acesso] chegava a 80%… Não têm como caçar ou se alimentar… Vêm definhando em segredo de Estado”.
Têm razão os jornalistas. Como chegamos até aqui? Deixamos ultrapassar e compactuamos em romper a fronteira do senso mínimo. O que faço eu como médico? Como professor? A política da avestruz?
O mínimo que me cabe é procurar ir ao encontro e aos cuidados dos yanomami. Ou cavar maneiras de ajuda-los de outra forma e, ainda, prevenir o que estamos a viver. Falar não basta.
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